sábado, 17 de agosto de 2013

Perdido

Atônita se perguntava
Onde está?
Onde foi parar?
Como pode desaparecer assim?

Não procurava o batom
A chave do carro ou o casaco
Havia perdido o amor...

Como pode desaparecer assim, tão de mansinho
que ela nem se deu conta?
Para onde foi?

Sentou-se atordoada
Fitando o vazio à sua frente
Vasculhando, frenética, a mente
Tentando entender
como um amor tão grande
pudesse simplesmente desaparecer...

Ele passa e a vê sentada
com aquela cara aparvalhada
segue adiante, indiferente..

Ela o fita, sem entender
Como pode acontecer
De tanto amor sumir assim
Tanto dele, quanto de mim?

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Nevermore... Nevermore...

O dia ia findando quando deixou o carro estacionado na pracinha. Caminhou pela calçada estreita, cabisbaixa, evitando olhar o mar do outro lado da rua, tentando ser surda ao barulho das ondas batendo nas pedras. Concentrava-se no compasso do coração disparado, na respiração falha, naquele frio no estômago que ameaçava impeli-la a correr, nem havia para onde correr. Meses ensaiando, não ia recuar.

Chegou ao portãozinho do prédio, o molho de chaves nas mãos, atrapalhada. O porteiro aciona a trava elétrica, e aquele barulhinho causa um calafrio. Empurra o portão devagarinho, fitando o chão, respira fundo e caminha até o hall de entrada. Um aceno ao porteiro, não consegue pronunciar uma palavra ao velho conhecido. Estende a mão automaticamente para receber a correspondência acumulada, e segue em frente. Cada passo rumo aos elevadores pesa. Para à frente de um deles, preme o botão, as mãos tremem, um gesto antes tão casual...

Ouve os estalidos da velha engrenagem, apruma-se involuntariamente quando chega o elevador. Abrem-se as portas, e ela adentra ao cubículo, vazio, frio, e as mãos não conseguem erguer-se até o painel. Ouve uma voz feminina gritar “espera”, e entra esbaforida no elevador uma senhora desconhecida... seria moradora nova? Vê a senhora apertar o botão do 13º andar e a ouve perguntar “onde vai?”

“Quarto”, responde, e sua própria voz lhe parece estranha... sobem em silêncio. Desce no quarto andar, e caminha lentamente para a porta do 404. O corredor vazio é uma longa estrada que seu coração acha difícil de transpor. Para diante da porta, o coração aos saltos. Separa devagar a chave, coloca-a na fechadura, falta força para abrir. Respira fundo e finalmente destranca a porta, e gira a maçaneta, entreabrindo aquele depósito de memórias.

Entra devagar, fecha a porta atrás de si, recosta-se nela, e se deixa invadir pelo perfume dele, fecha os olhos e sente a presença dele se avolumando, tomando conta, tão rodeada dele que quase espera ouvir o riso cristalino, a voz matreira, sentir os braços fortes rodeando-a ante de beijar...

Mergulha no perfume que ele deixou ali, mergulha nas lembranças construídas ali, e encostada ainda à porta, com os olhos fechados, ouvindo o som abafado do mar batendo nas pedras, sente-se transbordar, e as lágrimas correm, silenciosas... como um espaço tão pequeno pode conter tantas lembranças? Como é que o perfume dele ficou aqui, tão forte tanto tempo depois, criando a ilusão de que ele acaba de sair do banho espalhando o cheiro em cada cantinho?

Devagarinho reabre os olhos, como se a confirmar que ele não está realmente ali. Caminha devagar pelo corredorzinho, de soslaio olha a cozinha minúscula, as duas canecas no escorredor, o pano de prato amarfanhado sobre a pia, lembranças do último café apressado antes de saírem correndo atrasados para seus próprios destinos.

Mais alguns passos, e o coração parece se rasgar, tamanha a dor... sobre a cama mal feita, as roupas usadas na última noite; sobre a mesa, a última revista meio lida, algumas moedas com a notinha da padaria, o controle remoto colocado em território neutro depois de desligar a tv, incapazes de concordar sobre algo a assistir... deixa ali a bolsa e as chaves, e a correspondência que nem consegue olhar...

A luz do dia finda, e a cortina da imensa janela não é capaz de filtrar as luzes da cidade. Anda até a janela, afasta o cortinado, fitando o mar cor de chumbo que continua castigando as pedras, do outro lado da rua. Hesita em abrir o vidro, teme deixar que o cheiro dele se vá com a brisa marinha, insiste na janela fechada como se a aprisionar qualquer resquício dele que ainda esteja ali, tentando manter um último hálito que o respirar dele tenha deixado para trás...

A noite se faz completa, o céu coberto de nuvens, que ela nem viu chegarem. Em algum momento percebe o frio, e caminha sem pensar até o armário, em busca de um agasalho, abre a porta como gesto corriqueiro, e é novamente tomada pela dor quando outra vez o cheiro dele se faz mais forte, emanando das roupas que ficaram esperando ele retornar... presos no espelho de dentro da porta, os pequenos bilhetes de um para o outro, duas fotos, instantâneos de felicidade que jamais se repetirão...

Toma nas mãos um casaco dele, traz ao rosto, soluça convulsivamente num choro que chora todas as dores do mundo, todas as perdas do mundo, toda a desolação do mundo... chora a solidão, chora a ausência eterna, chora a saudade de cada instante compartilhado, chora o vazio que ele deixou...

Finalmente compreende que acabou. Não chegará nas sextas, antes dele, e ficará esperando ansiosa o barulho da chave dele na fechadura. Não o receberá descalça, com cabelo molhado, vestindo uma camisa dele, correndo ao seu encontro, se jogando nos seus braços fazendo-o derrubar o que tiver nas mãos... não haverá mais caminhadas pela pracinha ali perto, comprando coisinhas fúteis na feirinha de artesanato e escolhendo dezenas de doces para o fim de semana à toa...

Não haverá rusgas na disputa da primazia para tomar banho, nem ouvirá a voz dele pedindo a toalha que sempre esquecia de levar para o banho... não disputarão no jankenpon quem busca leite, frios e pão, na padaria do outro lado da praça. Não haverá mais briguinhas porque ela gostava de sentar no parapeito da janela olhando o mar, e ele tinha pavor que ela despencasse...

Não caminharão à beira mar ao entardecer, de mãos dadas, alheios aos banhistas, às crianças brincando, aos pescadores e suas tralhas, absortos demais em si mesmos para tomar conhecimento de algo à sua volta... não estenderão as caminhadas nas noites mornas até a ponte, que ela não conseguia atravessar, presa naquele medo irracional de que algum pedaço de ferro cedesse e ambos caíssem no mar profundo, não importando quantos argumentos perfeitamente lógicos ele declinasse em favor da antiga ponte ainda em uso...

Não descobririam juntos os recantos mais bonitos, não escolheriam as frutas mais saborosas, não experimentariam os restaurantes diferentes, nem ririam baixinho das pessoas definitivamente esquisitas com quem cruzavam pelas ruas... Não se sentariam mais nas pedras do outro lado da rua, nas noites de mar calmo refletindo a lua cheia, as mãos entrelaçadas, a cabeça dela recostada no ombro dele, compartilhando a paz e a serenidade de amar.

Agarrada ao casaco dele, senta na beirada da cama, o pranto correndo solto... Não se deitariam mais lado a lado, simplesmente olhando nos olhos, lendo a alma um do outro, compartilhando a tranquilidade do depois. Não dormiriam abraçados, não acordariam amarfanhados, não haveria mais o amor das manhãs, nem o riso, nem os lábios dele junto aos dela, nem as mãos ansiosas percorrendo caminhos decorados... não haveria mais a melancolia do domingo à noite, a pressa nas manhãs de segunda em que tinham que correr para não perder o horário de seus transportes, levando-os de novo para mais uma semana de distância, trabalho e espera...

Veste o casaco, como tentando se cobrir da presença dele, se impregnar com o que dele restou ali. Abraça o travesseiro dele, mergulha o rosto ali, abafa o grito de dor incontida, os soluços do choro incessante, tentando deixar de ser, deixar de existir, se fundir, se transformar no nada que ele deixou... Adormece de pura exaustão...

Acorda atordoada no meio da madrugada, os trovões anunciando os raios que caem incessantemente. Caminha de novo até a janela, fitando a chuva torrencial, o mar furioso castigando as pedras, como se a natureza inteira se revoltasse, refletindo a dor que a corroía por dentro...um raio cai mais perto, ali no farolzinho da curva da praia, e ela sente tremer, e já nem sabe se quem treme é a terra, ou ela mesma, ou a casca vazia que sobrou de si depois que ele partiu...

There's no living in my life anymore
The seas have gone dry and the rain stopped falling

Abre a janela, deixa o vento e a chuva entrarem, sabe que não é possível continuar sem ele. Devagarinho, sobe no parapeito da janela, e desta vez, parece ouvi-lo do mar, gritando por ela, abre os braços, salta e voa para junto dele, feliz...



Ao Remetente

Bom dia!
Ela dizia, nas manhãs daquele verão escaldante
Um sorriso vago, um olhar fugidio
Bom dia..., lacônico, ele respondia
E seguia...
E dia após dia
Ela dizia, sorria, insistia
Enquanto ele passava
Nem sempre lhe falava
Tão alheio àquela estranha criatura
Meio envolta em loucura
E devaneios de verão
Bom dia, ela dizia e sorria
Dia após dia
Pensando em como seria
Perguntar, Como você está?
Olhava e se indagava
Em que ele pensará?
Por onde ele andará?
Em silêncio fitando as folhas
Que caiam mansamente no outono que já batia à porta
Bom dia, ele respondia
E seu caminho seguia...
Ele não via
O brilho no olhar
A ânsia de falar
A angústia de calar
Ele não via...
Não via a semente de amar
A possibilidade de desejar
Aquele eterno esperar
Que o sorriso fosse notado
Que o sonho amassado num canto da alma
Apenas ali, esperando para brotar
Mas no outono, nada cresce...
Menina, esquece!
Veio o inverno
E o frio se fez presente
Castigando a semente
Do amar, do querer, do sonhar
A terra da alma foi gelando
A tristeza estendendo seu manto
Só lhe restou chorar
Chorar o que sentia
E o que podia ter sentido
O que podia ter nascido
Da semente daquele amar...
Chorar a esperança fugidia
Chorar o tempo perdido
Chorar o amor não vivido
A morte do acreditar...
Juntou seus sonhos, seus cacos, seus pedaços
A tristeza infinita de todos os abraços
Que ficaram pendentes
Dos beijos ausentes
Do riso não compartilhado
Do ser não bastado
Do esperar tão cansado...
Se foi.
E ele até hoje procura
O endereço daquele amor
Que não viu
Que não sentiu
Que não viveu
E de cuja existência somente se deu conta
Quando o bom dia se foi
Com novo endereço desconhecido.